segunda-feira, 15 de outubro de 2012

O cemitério


Onde a morte vira mãe e seu seio engrandece,
onde a vida chega ao fim , e o nascimento padece..
Onde a s sombras chegam enfim e a escuridão se enobrece.
As lápides estão enfileiradas em macabro conjunto.
Onde o escuro é real e o verdadeiro ato de amor é morrer junto.
Onde se perde o fôlego e ar vaza pelo pulmões, onde a poeira entorpece
a vista e lá a morte é bem-vinda.
É onde chegam ao fim as apostas e o mundo ganha sentido,
onde o amor fenece e o que era forte enfraquece.
Onde o medo é maior, no entanto na há dor.
Onde o nome ganha força e o ser desaparece.
Onde as lágrimas regam a saudade da perda.
Onde o choro é melodia bela e noite é estrela
perpétua e singela.

Tradução


 Eu não me traduzo
em poesia ou flor.
Não me expressa 
em exatidão, somente as sombras.
Não me entendo
em outra língua.
Não me expressa a totalidade,
o vázio ou o encontro.
Me traduzo:
Nas ruas que passei,
nos livros que li,
nas gargalhadas que dei,
nos medos que senti, 
nas falas que ouvi.
Me traduzo, na raiz de minha problemática .
No que se refere a mim,
Eu mesmo sou o  problema.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Sobre O Quinze - Espinho

 O espinho cresce em flor
 pois tudo o que é espinho,
 é dor. 

 Tece a paisagem espinho,
fura em cactos mil.
 Nasce maldito espinho,
 No nordeste do Brasil.

 Espinho árido, ácido , hostil
 fortifica, petrifica a pedra.
 Renasce em sol tão vil.
 Petrifica a alma pois se
 entranha nos espinhos. 

 Governa a poeira e o mormaço
 capaz de matar o mais terno dos passarinhos.
 O espinho é o osso agreste,
 é punhal da seca,
 É planta do nordeste.

sábado, 19 de maio de 2012

O anticristo


  Vem a mim os que tem fome de carne e vós dareis o que comer.
 Pois sou a própria dor , a mentira e a morte.
  De mim arrancas o pedaço , lambuzar-se desse sangue e cospe 
pois sou insonso aos humanos.
 Vem a mim os velhos pois é deles o meu reino.
 Vem a mim os que são cegos, pois eu sou a própria escuridão.
 Vem a mim os que querem sexo e eu vós dareis meu corpo
para que comam como sádicos.
 Vem a mim os que sofrem , pois eu sou o próprio sofrimento.
 Sou a doença que tens na alma. E sou eu que vós arrastareis por
 inferno.
 Louvam-me como a um Deus , pois já me elegi falso e por isso
 sou autêntico.
  Espalhem minhas palavras sobre todas as terras e nações , todos os
  povos e religiões. E gritem minha existência.
  Eu sou filho do homem e só dele sou.
 Rogo que lamentem minha partida, pois tenho que pregar o décimo terceiro 
 evangelho.
 '' Dez mil cairão a tua direita e dez mil a tua esquerda'' mas não temas pois eu sou contigo , e eu sou a própria queda.
 Atiras em tu a própria pedra pecador e depois em teu irmão até o fim dos dias. 
Porque deste modo eu falo e assim está escrito.     

sábado, 12 de maio de 2012

O Eu-Mariposa


O poeta se desfez em palavras, a única que lhe restou foi o Eu.
E o Eu se agregava  as letras formando outras palavras assim: Teu, meu e seu. 
E de repente o Eu viu um movimento frenético que embarreirava a luz, o Eu constatou que era uma Mariposa. E perguntou - O que tentas Mariposa? A Mariposa respondeu - Transcender a luz !
E o Eu tão pequeno, se sentiu preenchido de satisfação e começou a fazer torcida pela Mariposa, repetindo essa palavra incansavelmente: Transcenda, transcenda, transcenda...!

segunda-feira, 7 de maio de 2012

A curandeira

 Quizumba,
 Zuada,
 Maculelê,
 Maracatu.
Falava alto a curandeira,
e repetia, e repetia...
Feitiço , porção e casco de tatu.
Esfumaçava a sala , a curandeira.
Erva-doce, quebra-pedra e cidreira.
 E gritava alto a rezadeira.
 - ''sorte aos vivos'' ,pedia a feiticeira.
 Talvez nem ela mesma soubesse de que era curandeira.

sábado, 5 de maio de 2012

A revolução dos mortos


No alto da mais alta lápide, ergue-se um morto.
Que toma a palavra sobre os uivos do cemitério.
- ''Caros amigos vós peço sua total atenção ao que digo,
 almas abandonadas que vagam em fila indiana, perdidas e desprezadas.
Que se reúnem em procissão.Esqueletos, ossos e cadáveres em decomposição, outra vez solicito vossa atenção.Lhes faço algumas perguntas:
Por que vivemos enclausurados nesse lugar podre?
Só por que estamos mortos não merecemos os prazeres do mundo?
Só por que  estamos mortos não choramos ou rimos, quer dizer , que quando morremos perdemos os nossos sentimentos e desejos?
Só os vivos merecem os prazeres e afetividade? Devemos obedece-los meus irmãos? Devemos aceitar tudo dessa forma , como se fosse natural? Eles nos jogaram nesse depósito macabro e nos esqueceram, e devemos deixar por isso mesmo ou vamos derrubar os portões desse cemitério e tomar pela força o que nos é de direito? A vida não se sobrepõe à morte meus companheiros, mas hoje a morte vai se sobrepor à vida.''
E em meio a gritos e uivos descontrolados a multidão fúnebre arrombou o cemitério e ocuparam toda a cidade , estava decretada a revolução.

sábado, 7 de abril de 2012

Amor-Aço

 O Amor é metal frio, Aço inexorável.
Feito e moldado à prazer e sentimento duplo, contraditório e complementar.
Se é frio necessita-se esquentá-lo em fogo alto , derrete-lo na solda, no caldeirão de cobre.
Como aço não se quebra, mas , não é só de aço feito. Também tem nuvens e ressonância de emoções esperadas e gestadas no nó do amante.
Mas como continua sendo metal, corta, fere e sangra a carne. Dor profunda , hemorragia interna e essa é sua principal característica.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

A dança da chuva

   Chamai as nimbus
  suor dos céus,
  tempestade.
  E água muita,
  e água grande.
 Margem do rio seco,
  enche e transborda
  seiva,
 Suco, banho e
 leite.
Nuvens sombrias,
escuras e negras
que amamentam a terra,
 a árvore, a plantação.
Se enche de vida a mão,
pra colher
o que sai do chão.
E todos envolta do
círculo, fazendo
zuada e canção.
Chamando com os corpos a chuva
que vai molhar o chão.

domingo, 18 de março de 2012

Perfil

                             http://arteporparte.blogspot.com.br/2008/08/perfil-de-mulher.html

 Se sou como porta,
 me encontro fechado.
 Só me abro por chave,
 e  me tranco com cadeado.
 Também sou grade,
 coluna de metal e nervos de aço.
 E sou arame,
 e firo,
 e rasgo,
 e sangro a pele.
 Áspero e austero,
 significativo de mim mesmo e só.
Porém se me encontrar desarmado e sem balas
ou pólvora.
 Eu brinco,
 e divirto,
 e amo,
 e acariciou.
E cama aos dois eu receito.
Por outro lado , não me firas ou me machuque.
Sou delicadeza,
beleza e elegância. Mas se me sangram,
eu aleijo ou mato , por que sou mesmo assim
 de fato.

domingo, 4 de março de 2012

O vento

 O vento varia a mim;
              varia os olhos;
              varia as bocas;
             tudo enfim.
E a minha vida se enchia:
                       de mim;
                      de olhares;
                      de beijos. 
   O vento  varia o nada;
                varia o tempo;
                 varia tudo.
                  E tudo assim.
E a minha vida cada vez mais:
                      sem nada;
                      sem tempo;
                      Sem tudo;
            Se encheu de mim.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Costurador de noites

 Os homens são maus, rudes e violentos.
 Eles rasgaram a noite: com bombas , tiros, morte e trincheiras.
 São tão heteros.
 Os homens cortaram a noite, desmancharam sua escuridão límpida e humana ,
 apagaram as estrelas e a própria lua.
 Surgiu assim de tão clara explosão: Os restos, órgãos dilacerados, tecidos,
 bocas e partes íntimas de atomicidade anti-humana.
 E coube assim ao poeta recosturar a noite, desfazer o sentido da morte e plantar.
 Pontuar o tricô da vida.
 Acender as estrelas, se apaixonar pela lua.
Costurar noites, noites e noites.
É função do poeta recriar a escuridão que sumiu no raio atômico.
É arduo o fardo do poeta , que deve costurar , refazer e recriar.
Mas ele está lá a costurar às noites indefinidamente.

homenagem - Quintana


      Trabalhar no verso,
       o inverso,
       o poema.
     Sentir a língua tremer,
     na tremedeira da palavra.
     Compor assim há vinte anos Mário Quintana.
     Lia, lixava, rimava, trancava , cortava em Vê a poesia.
     Subia a cabeça e mergulhava ao coração.
   Poeta é simples , tão simples no enxugamento da poesia,
   caindo em letra por letra, desnecessário como este verso.
      Só escrevo por vontade de escrever no tom certo.